Com o início da segunda década de vida, o indivíduo entra numa fase de transformações no organismo, próprias da puberdade. Entretanto, existe uma doença ocular que, normalmente, se manifesta entre os 10 e 20 anos de idade, chamada de ceratocone, cuja evolução pode levar à cegueira e necessidade de transplante da córnea.
"Considero que a população brasileira ainda não sabe muito sobre o ceratocone. Por isso, é importante falar sobre este problema, pois o diagnóstico precoce é fundamental para definir o tratamento e controlar a sua progressão”, ressalta a oftalmologista Adriana dos Santos Forseto (CRM-SP 75264), doutora em Oftalmologia pela UNIFESP e Diretora Médica do Banco de Olhos de Sorocaba.
O ceratocone é uma doença na qual a córnea passa por um processo de mudança da curvatura e pode ser confundida com outras alterações oculares, porque afeta a qualidade visual. Além da consulta oftalmológica de rotina, um dos exames básicos para seu diagnóstico é a topografia corneana com disco de Plácido. Essa doença envolve três aspectos críticos: é bilateral, assimétrica e progressiva, ou seja, costuma acometer os dois olhos, mas não evolui da mesma forma em cada um dos olhos com o passar dos anos e piora quando não é tratada ou fica sem acompanhamento especializado.
A combinação dessas características é importante para entender que um paciente pode viver muito tempo com um dos olhos muito bom, enquanto a doença vai avançando de maneira mais significativa no outro olho. É fundamental a consulta anual desde criança no oftalmologista, para evitar que, ao chegar em uma primeira consulta aos 16 anos, por exemplo, a doença já esteja em um nível muito avançado. Ao aparecer na adolescência, o ceratocone pode comprometer o desenvolvimento de uma pessoa que tem a vida inteira ainda pela frente”, alerta Dr. Marcony Santhiago (CRM-RJ 5275389-0), pesquisador e doutor em oftalmologia pela USP – Universidade de São Paulo, com pós-doutorado na área realizado nos Estados Unidos.
Fatores de risco para o ceratocone
O ceratocone é uma doença que tem um componente transmissão genética, mas isso não quer dizer que todos os filhos, cujos pais têm ceratocone, vão manifestar o problema. Esse tipo de doença familiar deve ser informado ao oftalmologista, por se tratar de um fator de risco. O médico deverá ressaltar a importância de consultas mais frequentes e a realização de outros exames, além da topografia da córnea, como a tomografia e a paquimetria, ainda na infância. Desta forma, o oftalmologista consegue intervir para que o paciente não apresente problemas mais graves de visão ou sofra de uma perda visual significativa.
A alergia ocular também é um fator associado ao ceratocone. "No consultório, frequentemente vemos pacientes com ceratocone que apresentam quadro de conjuntivite alérgica e possuem o hábito de coçar os olhos, ato este muito relacionado à progressão da doença. Por isso, sempre orientamos pais e responsáveis a levarem a criança a uma consulta, quando ela coça muito os olhos, especialmente se tem algum caso de ceratocone na família”, completa Dra. Forseto.
Estudos mostram que o ato de coçar pode aumentar de maneira significativa a pressão intraocular, afastando ainda mais as fibras de colágeno da córnea, liberando citocinas inflamatórias, e ainda promovendo um ambiente favorável à colagenase (digestão das fibras de colágeno) e, consequentemente, a diminuição de resistência da córnea, que fica mais suscetível a mudar sua curvatura.
Tratamentos para controlar a progressão e garantir a visão
Dr. Santhiago aponta que, atualmente, existe o crosslinking, uma forma de tratamento que interrompe a progressão do ceratocone, com taxa de eficiência de 98%. "Quando o paciente tem menos de 20 anos, eu já costumo indicar este procedimento cirúrgico que detém a progressão, que se chama crosslinking da córnea, pois os estudos científicos mostram que esta cirurgia interrompe a progressão da doença. Se o paciente tem mais de 20 anos, é importante documentar se ele apresenta uma progressão acelerada do ceratocone, manifesto por aumento de curvatura, afinamento da córnea, baixa visual ou aumento do grau de miopia presente, entre outros fatores”, completa.
Quando o ceratocone é considerado estável, o foco do tratamento pode ser melhorar a qualidade visual da pessoa com o uso de óculos corretivos ou de lentes de contato especiais. Além disso, se o paciente tem uma alteração de visão significativa, uma alternativa é o implante de um anel corneano intraestromal que, por meio de uma ação mecânica, promove um aplanamento da curvatura da córnea.
"Em situações nas quais não se opta pelo crosslinking de imediato, é primordial manter o acompanhamento próximo do paciente com ceratocone, principalmente naqueles menores de 30 anos de idade, com consultas a cada 6 meses, a fim de se documentar se há ou não a progressão da doença. É importante avaliar caso a caso, com o oftalmologista compartilhando as informações com a família. Além disto, atualmente temos várias opções de correção óptica, sendo o transplante de córnea muitas vezes postergado e até evitado.”, esclarece Dra Forseto.
Na maior parte dos pacientes que não faz algum tratamento ou acompanhamento do ceratocone, a doença vai progredindo num ritmo que varia de pessoa para pessoa. Nesta progressão, a córnea fica fina e abaulada, como um cone, podendo apresentar opacidade central, um estágio que não é reversível – a solução passa a ser apenas o transplante corneano.
Lembramos ainda que uma pessoa com ceratocone não deve realizar cirurgias refrativas com laser, porque este procedimento pode fragilizar ainda mais uma córnea já delicada.
Como é o crosslinking
A cirurgia ocular com crosslinking promove uma alteração fotoquímica, que torna a córnea mais resistente, a partir da combinação de riboflavina, um reagente ativado pela ação da luz ultravioleta. Dr. Santhiago explica que na cirurgia é feita a remoção de uma fina camada epitelial. Na sequência, pinga-se um colírio com a riboflavina, que vai penetrar profundamente no estroma. Esta substância será ativada pela luz ultravioleta a fim de promover novas ligações covalentes entre as fibras de colágeno já existentes na córnea. Com isso, o crosslinking permite interromper a progressão da doença e leva a um remodelamento da córnea. De acordo com o especialista, estudos têm mostrado, inclusive, que o crosslinking tem contribuído não só para interromper a progressão da doença, mas também o aplanamento na córnea, durante o processo de cicatrização, um efeito também benéfico para o paciente com ceratocone.
Sobre ABCCR
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CATARATA E CIRURGIA REFRATIVA (ABCCR) tem sua origem na incorporação da Sociedade Brasileira de Catarata e Implantes Intraoculares (SBCII), fundada em 16 de março de 1982, pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa (SBCR), fundada em 20 de janeiro de 1985. A ABCCR visa congregar oftalmologistas, ampliar o estudo e acompanhar o desenvolvimento de todos os aspectos técnicos e científicos inerentes à cirurgia de catarata, aos implantes intraoculares e da cirurgia refrativa, propagando-os aos oftalmologistas e estendendo seus benefícios à comunidade.
Fonte: Sther Comunicação
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