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sexta-feira, 3 de junho de 2022

Um breve histórico do estudo da sexualidade humana


A espécie humana, desde o seu aparecimento no planeta, há cerca de cem mil anos, vem apresentando uma característica peculiar, em termos de exercício da sexualidade. Ao contrário do observado em outras espécies, a nossa exibe sutis diferenças anatômicas e funcionais que permitem às fêmeas serem receptivas às manifestações da sexualidade de seus parceiros, independentemente de estarem ou não em seus períodos férteis. Assim, ao lado de um componente orgânico básico, nossa sexualidade passou a ser fortemente condicionada por fatores psicológicos e sociais.

Somos assim, em toda a natureza, privilegiados por poder praticar prazerosamente o coito - e outras formas de exercícios da sexualidade - durante a gestação, após o período funcional reprodutivo (menopausa) e ainda quando (ou talvez até principalmente quando) a gestação não é desejada. Inventamos, portanto, outras "indicações" que não a reprodução para o exercício da sexualidade. Podemos praticá-lo (e o praticamos) por mero prazer ("sexo-prazer"), por amor ("sexo-amor") e por muitas outras motivações, aí incluindo-se a econômica.

Evidentemente, estando aberta a possibilidade de prática sexual prazerosa com qualquer pessoa e em qualquer local, surgiu desde a constituição dos primeiros "bandos" de hominídeos a necessidade de uma certa organização social, tendo em vista que houve necessidade de que se traçassem normas sobre quando e com quem essa sexualidade poderia ser exercida. Essa regulamentação se complexificou na medida em que foi se desenvolvendo uma "cultura", base da civilização. Dentro dessa cada vez mais complexa organização social, inevitavelmente foram surgindo regras para normatizar os diversos aspectos das atividades dos indivíduos, inclusive a sexual. Assim, mesmo quando possuído por intenso desejo sexual, o macho passou a só poder praticar o coito com uma fêmea dentro de certas condições, também impostas quando a situação era a inversa. Criou-se então todo um ritual de complexo simbolismo - que culminou do casamento, tal como o conhecemos - para normatizar o que é socialmente aceitável em matéria de exercício da sexualidade.

Do ponto de vista psicológico, na medida em que foi surgindo nos hominídeos a consciência do "eu", foram-se também elaborando parâmetros para auto-avaliação de desempenho, consciência de aceitação, sensação de adequação ao meio etc. Esses aspectos intrapsíquicos, tão valorizados que passaram a ser medida da própria existência ("penso, logo existo"), possuem grande papel no exercício da sexualidade, ao lado do componente social.

A sexualidade, entendida a partir de um enfoque amplo e abrangente, manifesta-se em todas as fases da vida de um ser humano e, ao contrário da conceituação vulgar, tem na genitalidade apenas um de seus aspectos, talvez nem mesmo o mais importante. Dentro de um contexto mais amplo, pode-se considerar que a influência da sexualidade permeia todas as manifestações humanas, do nascimento até a morte.

No entanto, durante a maior parte da história da humanidade essa influência foi negada, em especial entre os povos ligados às tradições judaicas e cristãs, atualmente representadas pela assim denominada "civilização cristã ocidental". As civilizações denominadas "orientais", por terem relativamente pouca visível influência sobre a nossa, ao menos até recentemente, não serão incluídas no presente texto, tendo em vista a necessidade de concisão.

Segundo Gênesis (1:27), "E criou Deus o Homem à sua imagem: fê-lo à imagem de Deus, e criou-os macho e fêmea". Aliás, em hebraico, os nomes que o Homem e a Mulher receberam foi "Ish e "Ishsha", talvez até para lembrar a semelhança entre ambos.

O curioso desse evento é que na tradição bíblica mais antiga que conhecemos, a tradição javista (aproximadamente 950 a.C.), não existe nenhum desprezo pela natureza sexual do homem. De fato, a leitura do "Gênesis" permite a interpretação de estar a sexualidade ali exposta apenas como mais um aspecto da vida, nem inferiorizado nem enaltecido em relação a qualquer outro. Assim, a exegese mais isenta apresenta como motivação divina para a criação da mulher apenas a atenuação da angústia da solidão vital do homem. A interpretação patrística da Bíblia, porém, que há tantos séculos vem influenciando nossa cultura, considera o sexo como um mal necessário, admissível apenas por ser indispensável à reprodução da espécie. Inaugurou-se, partir dessa interpretação, a confusão entre sexualidade e genitalidade, que perdura até nossos dias.

Para bem compreendermos a motivação social para a enorme repressão às manifestações prazerosas da sexualidade feita pela cultura judaica, é importante que nos reportemos às suas origens. Na época em que essas tradições foram estabelecidas, Israel era uma pequena tribo, igual a dezenas de outras, que ora vagavam pelo Oriente Médio, ora se estaleciam em determinados locais.Os judeus tinham, necessariamente, que incentivar a diferenciação entre seu povo e os outros, para poder estabelecer a consciência de uma "nacionalidade". Os outros povos da época e da região (cananeus, filisteus etc.) eram todos politeístas, com uma enorme multi-plicidade de deuses e deusas, todos eles altamente sexuados. Segundo a mitologia da maioria desses povos, o universo teria se originado de uma união (leia-se "coito") entre dois deuses, quase sempre irmãos.

Assim, para se diferenciar desses outros povos, os israelitas cultuam um deus assexuado (Javé), que cria o Universo a partir do nada, isto é, sem parceria, de maneira assexuada. Nota-se assim que para os israelitas a sexualidade perde os atributos divinos, deixando de haver uma "sexualidade sagrada", cultivada nos templos, como era comum entre os seguidores das outras religiões.

Além disso, pelas suas características expansionistas e guerreiras, Israel necessitava de muitos, muitos soldados. Como a mortalidade infantil era muito alta, a solução encontrada foi estimular o aumento da natalidade, devendo todos praticarem apenas o "sexo-reprodução". O "sexo-prazer", assim, passou a ser malvisto e a esterilidade considerada a maior das maldições. A anticon-cepção, em qualquer modalidade, passou a ser uma ofensa aos conterrâneos e a religião, sendo Onã (Gênesis, 38:8) fulminado por Javé por haver usado de subterfúgios anticonceptivos. A masturbação e a homossexualidade masculina eram abominações terríveis, enquanto a homossexualidade feminina era um crime tão horrível que nem sequer era cogitado.

Seguindo essa linha de pensamento, os pensadores judeus (seguidos mais tarde pelos cristãos) deram até mesmo uma nova interpretação às causas da queda do Homem. Uma leitura um pouco mais atenta do Velho Testamento nos permite observar que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso apenas por não terem obedecido às ordens de Jeová, que os proibiu de comer dos frutos da Árvore da Ciência do Bem e do Mal (Gênesis, 2:17). Fica explícito, no texto, que a expulsão do paraíso se deveu à desobediência em si, e não ao fato de terem eles tido relações sexuais (Gênesis, 3:22). Registra-se, no mesmo versículo, o receio divino de que o Homem, tendo já condições de conhecer o Bem e o Mal, por ter provado do fruto da Árvore, continuasse a ser desobediente e provasse também dos frutos da Árvore da Vida, passando assim a ser também imortal. No claro intuito de reprimir as manifestações da sexualidade, no entanto, o texto foi reinterpretado, sendo apresentada como causa da queda a experiência sexual que Adão e Eva tiveram.

A sexualidade foi, seguindo esse caminho, deixando de ser fonte de prazer, passando a ser apenas mais uma das "obrigações" que os bons patriotas judeus deveriam cultivar. Esse comportamento anti-sexual foi cristalizado em todo um ritual de purificação das mulheres durante e após as menstruações. Consideradas "impuras" nesses períodos, deviam - as ortodoxas ainda devem - se submeter a todo um processo de purificação que, por durar vários dias, termina próximo ao período ovulatório seguinte, levando como consequência a um aumento das taxas de reprodução.

Não que os judeus não conhecessem o prazer advindo da sexualidade; conheciam-no sim e, embora não fosse considerado louvável, era ao menos socialmente tolerável... para os homens! Basta ler no Velho Testamento o Cântico dos Cânticos para que se tenha uma boa visão do erotismo que permeava a vida e os pensamentos de, ao menos, alguns privilegiados como o Rei Salomão. No geral, entretanto, podemos dizer que a cultura judaica é sexualmente repressora, machista e sexista.

Com o surgir do cristianismo as coisas se mantiveram nos mesmos moldes, ou talvez até piores, sob certos aspectos. Os cristãos dos primeiros séculos, como os primitivos israelitas, eram minoritários e tinham que se esforçar para diferenciar-se das outras religiões vigentes no Império Romano. Mesmo os sacerdotes cristãos, nos primeiros séculos, casavam-se regularmente e mantinham vida sexual ativa. Embora a obrigatoriedade do celibato sacerdotal fosse discutida desde o Concílio de Ancisa, em 314 d.C. (e essa discussão foi cheia de marchas e contramarchas que duraram vários séculos), foi só a partir de determinação expressa do Papa Gregório VII, em 1075, que o matrimônio passou a ser proibido para os sacerdotes católicos.

Assim, repetiram os cristãos o mesmo modelo repres-sor da sexualidade herdado dos judeus. No entanto, embora as igrejas cristãs (especialmente a Católica) sejam no geral bastante repressoras em termos de sexualidade, vale a pena lembrar que não existe registro, em todo o Novo Testamento, de qualquer ato ou palavra repressora que possa ser atribuída ao próprio Jesus. Pelo contrário, em alguns episódios (o referente à mulher adúltera, por exemplo, em João, 8:7), suas palavras demonstram uma tolerância e uma compreensão das fraquezas e dos desejos humanos absolutamente incompatível com a ferocidade com que seus seguidores reprimiram (e alguns ainda reprimem) as manifestações da sexualidade. Aliás, cite-se como um registro curioso que Aristóteles, o grande Aristóteles tão querido de alguns dos teóricos medievais da Igreja Católica, expressava sérias dúvidas sobre se a mulher teria ou não uma alma.

Considerando tudo isso, podemos dizer que pela vertente cultural judaica cristã herdamos uma visão extremamente repressora da sexualidade, mais acentuadamente marcada, como sempre, para o contingente feminino.

Nossa outra vertente, a greco-romana, embora por motivos diferentes também exerceu repressão sobre a sexualidade, ao menos sobre a feminina. Os homens gregos tinham a busca do prazer como ideal, sendo permitidas e até incentivadas quaisquer experiências hedonistas. Esse prazer, no entanto, era buscado fora de casa, entre as prostitutas (hetairas dicterides e pornois), ou em práticas homossexuais ("amor-paixão"), com efe-bos. As esposas eram quase que prisioneiras de uma dependência doméstica - gineceu, sendo mantidas como embrutecidas e emburrecidas máquinas de administrar casas e fazer filhos, sendo-lhes negado qualquer direito ou qualquer prazer. A cultura grega foi, assim, machista, hedonista e, do ponto de vista da mulher, repressora.

Os romanos, ao menos em certos períodos e para certas classes sociais, foram um pouco mais liberais. Vista como um todo, entretanto, a cultura romana foi bastante machista, sendo o prazer permitido apenas aos homens e a algumas privilegiadas mulheres.

Assim, como se vê, nossas raízes culturais estão impregnadas de uma visão distorcida da sexualidade, onde a prática da repressão é o comportamento usual, ao menos para as mulheres, quando não também para os homens. Em outras palavras, em nossa cultura, ao menos até bem recentemente, o machismo reinou impunemente.

Embora nossa civilização tenha, nos últimos séculos, vivido alguns momentos de maior liberalidade, essa visão distorcida da sexualidade foi a tônica principal, mantida durante todos esses séculos em que ela vem se cristalizando. Diga-se de passagem que, mesmo em seus momentos de mais liberdade, o exercício pleno da sexualidade sempre foi apanágio das pessoas adultas, que vêem com maus olhos a sexualidade dos adolescentes, ridicularizam as manifestações sexuais da terceira idade e negam - ao menos negaram até a poucas décadas - a sexualidade na infância. De fato, foi necessário que surgisse um Freud, no apagar das luzes do século XIX, para que "descobríssemos" que a sexualidade existe e se manifesta, ainda que de formas diferentes, durante toda a duração da vida humana.

O machismo, como instrumento do patriarcalismo que herdamos de nossos antecessores culturais, tem pelo menos seis mil anos de história registrada, e possivelmente muitos milênios a mais. Ainda que os teóricos da árqueo-antropologia não cheguem a um consenso, é praticamente certo que o machismo tenha surgido a partir da época em que o homem reconheceu seu papel no processo da reprodução. Até esse momento, julgava-se, a mulher era capaz de fazer filhos por sua própria conta, sem o concurso do macho e, ainda segundo a maioria dos estudiosos desse tema, os primeiros Deuses eram de sexo feminino.

Usado inicialmente como instrumento preservador do poder masculino, o machismo deu tão certo, como recurso, que até hoje ainda não conseguimos nos livrar adequadamente de suas consequências.

No decorrer de todos os séculos de história da humanidade, apenas em breves períodos houve uma visão mais liberal sobre o exercício da sexualidade. Tivemos, ainda que restritos apenas a alguns segmentos da sociedade, períodos de liberação e visão mais positiva da sexualidade em curtos períodos históricos. Nunca, no entanto, o estudo do exercício da sexualidade humana foi considerado importante e, apenas nas últimas décadas, vem sendo visto como um tema merecedor de estudos por um ramo da ciência.

Devemos muito, nesse sentido, a homens como Henry Havelock Hellis (1859-1939) e Sigmund Freud (1856-1939), que nos deram o embasamento científico para o estudo das manifestações da sexualidade. Hellis, na Inglaterra, ainda como um ranço do puritanismo vitoriano, sofreu severa censura e mesmo coação legal, tendo sido proibido de publicar seus trabalhos. Freud, em Viena, teve suas idéias fortemente rejeitadas pela comunidade médica e científica de então.

Quando alguém for escrever uma História mais pormenorizada do estudo da sexualidade humana, não poderá deixar de citar uma série de precursores e pioneiros, todos eles importantes para que obtivéssemos os conhecimentos atuais, tais como Van de Velde, Dickin-son, Gold, Lief, Calderone, Kinsey, Kegel, Mas-ters, Kaplan e Lo Picollo, entre outros.

Desses, talvez a figura mais citada e menos conhecida seja a de Alfred C. Kinsey, nascido em 1894 e formado em Engenharia Mecânica (1914) e em Biologia (1920). Reconhecido como cientista (com doutorado em ento-mologia) e acatado professor universitário, pelas características de conservadorismo e respeitabilidade, foi chamado em 1937, pela Universidade de Indiana, para criar e lecionar um novo curso, sobre sexualidade e casamento. Interessando-se cada vez mais por um assunto que em princípio parecia estar tão fora de sua área de conhecimento, Kinsey iniciou uma série de pesquisas sobre o comportamento sexual dos norte-americanos, que culminou com a publicação de obra absolutamente revolucionária para a época, o livro "Sexual Behavior in the Human Male", seguido alguns anos depois pelo "Sexual Behavior in the Human Female", que revolucionaram a até então aparentemente conservadora sociedade norte-americana. Kinsey morreu aos 62 anos, em 1956.

Ainda que seja este apenas um despretencioso e breve apanhado sobre a história do conhecimento da sexualidade humana, não pode nele faltar ao menos a menção de alguns dos mais importantes nomes, sem cuja contribuição nossos conhecimentos estariam ainda mais defasados. Assim, parece-nos importante que se citem, pela relevância, os nomes de Kegel e de Masters.

Arnole H. Kegel, ginecologista, preocupou-se com a elevada frequência de queixas de insatisfações sexuais femininas, desenvolvendo os exercícios para a musculatura perivaginal, até hoje utilizados e conhecidos como "exercícios de Kegel".

William H. Masters, médico ginecologista, e Virgínia E. Johnson, psicóloga, formam o mais conhecido casal de terapeutas na área da sexualidade. Baseando-se no estudo de voluntários e profissionais contratados, desenvolveram a partir da década de 50 uma série de pesquisas sobre a fisiologia da resposta sexual humana, que serviu de partida para uma proposta de tratamento das disfunções sexuais. As pesquisas do casal se tornaram um referencial básico indispensável para quem quer dedicar-se ao tema e, ainda que suas colocações iniciais tenham sido revistas por Kaplan, Lo Picollo e outros, permanecem até nossos dias como um monumento à capacidade humana de inovação e descoberta de novos ângulos de visão.

Graças aos estudos, quase sempre encarados de início com incompreensão e falta de créditos, embora reconheçamos que existe ainda muito a ser estudado, já temos ao menos esboçadas nos dias atuais as linhas mestras do conhecimento sobre as tão ricas e multifacetadas expressões da sexualidade humana.

Como já foi dito e repetido incontáveis vezes, a sexualidade humana pode manifestar-se - e frequentemente se manifesta - de maneira extremamente polimorfa. De fato, mesmo nas mais adversas condições e nas mais difíceis situações, o impulso sexual, um dos motores básicos da conduta humana se apresenta, ora de maneira explícita, outras vezes veladamente.
O adjetivo "normal" pode ser compreendido de várias e diferentes maneiras. Os dicionários (o Aurélio, por exemplo), definem-no como sendo o que é feito segundo a norma, o habitual, o natural. Em matemática, "normal" é a reta perpendicular à uma superfície ou linha. Em uso comum, "normal" é usado com o sentido de algo que não causa espanto, do que é usual, do que segue os mesmos padrões que a maioria das pessoas segue.

Quando se fala em atos ou pensamentos "normais", em sexualidade, comumente se associa a imagem de algo que a maioria das pessoas faz e pensa, ou ainda atos que não sejam danosos a saúde de quem os pratica ou de quem os sofre. Dessa maneira a masturbação, por exemplo, seria normal na fase de adolescência e juventude, desde que praticada com moderação. Quando praticada com frequência "exagerada" por adolescentes (embora ninguém defina bem o que é esse exagero) ou por adultos e idosos, entretanto, é vista como algo de doentio, pois existe uma noção - aliás falsa - de que essa prática seja física e mentalmente perniciosa.

Quanto ao sexo praticado a dois, vejamos o que se considera normal em termos de constituição de casais. Assim, seria "normal" o casal heterossexual, em que o homem é um pouco mais velho e mais alto do que a mulher, sendo ambos aproximadamente do mesmo extrato socioeconômico. Tolera-se, ainda que isso seja por vezes alvo de pilhérias, algumas variantes. Nesse sentido, um homem até cerca de dez anos mais velho que a mulher é ainda considerado normal; casais em que a idade do homem excede em 20 ou mais anos a da mulher são vistos com certa curiosidade, sendo sempre levantada a suspeita de que existem interesses pecuniários em jogo, mas ainda assim não são vistos como pares "anormais". Houve épocas e culturas, porém, em que as famílias julgavam perfeitamente normal e até mesmo desejável que suas filhas se casassem com homens bem mais velhos.


É, no entanto, absolutamente inadmissível, do ponto de vista social, a constituição de casais em que a mulher tenha grande diferença de idade sobre seu parceiro.

O mesmo se diga para casamentos inter-raciais. Há cem anos seria visto como algo completamente fora da norma, por exemplo, a união entre um homem branco com parceira mulata ou negra, que hoje vem sendo encarados com mais naturalidade. Embora tenham havido historicamente inúmeros exemplos dessas uniões, sempre foram elas levadas na clandestinidade e entendidas como algo de errado.

Mesmo em considerando-se que em outros períodos históricos isso não tenha sido assim, podemos dizer que em nossa cultura cristã ocidental até bem poucos anos o homoerotismo foi visto como uma perversão e até mesmo como uma doença. Ainda que entre os círculos mais cultos tal visão não mais seja vigente, não se pode negar que a sociedade como um todo mesmo hoje vê nele muito de sujo, de indigno ou, em outras palavras, "anormal".

O inverso também é verdadeiro, pois comportamentos que hoje consideramos desvios patológicos do exercício da sexualidade já foram vistos como absolutamente "normais". É o caso de práticas homoeróticas envolvendo adultos e crianças ou adolescentes (pederastia), que era aceita e considerada normal por muitos dos filósofos gregos que cultuamos.
Como se vê, o adjetivo "normal" só tem sentido dentro de uma determinada época e num bem demarcado segmento sociocultural.

O fato é que o exercício da sexualidade humana se rege num complexo contexto biopsicossocial. Nossa espécie, pela aquisição de sutis características anatômicas e fisiológicas, é a única no Reino Animal a poder exercer a sexualidade fora dos limitados padrões do sexo-reprodução. Nossa sexualidade, por isso mesmo, é influenciada fortemente, além dos fatores orgânicos, por elementos sociais e emocionais. E para cada um desses três compartimentos poderíamos traçar regras de "normalidade".

No que diz respeito ao componente orgânico do exercício da sexualidade a norma fisiológica é que, diante de certos estímulos considerados eficientes (visão, tato, olfato ou mesmo imaginação), homens e mulheres entrem num ciclo de modificações orgânicas que se con-vencionou chamar de "Ciclo de Resposta Sexual". Assim, diante desses estímulos, é "normal" que homens e mulheres se excitem, tendo ereções ou lubrificações vaginais, bem como é "normal" que atingindo um certo grau de excitação sobrevenha o orgasmo. O "anormal" aqui, isto é, o não cumprimento desse ciclo, é o que se convencionou chamar de "disfunção sexual".

Quanto aos aspectos sociais do exercício da sexualidade, o normal é aquilo que foi esboçado linhas atrás, ou seja, a prática heterossexual por casais com as características descritas. O que foge a essas normas é denominado de "desvio" (como a gerontofilia e a homossexualidade, por exemplo), "parafilia" (como o sadoma-so-quismo) ou até mesmo de "perversão" (a necrofilia, por exemplo), embora essa nomenclatura ainda não seja bem universalizada, havendo os que denominam de "desvio" o que outros chamam de "parafilia", e vice-versa.
É no componente psicológico do exercício da sexualidade, no entanto, que, em nosso ver, existem mais dificuldades em conceituar-se o normal. Na verdade, para saber se nossa sexualidade está sendo normalmente exercida, deve-se responder a indagação sobre se é ela satisfatória. Estou contente com minha sexualidade? Exerço-a prazerosamente? Estou satisfeito com a frequência e com a maneira em que a exerço? Minha parceira (ou meu parceiro), por quem tenho afeto e a quem me é importante satisfazer, está feliz com esses parâmetros? A isso, a essa satisfação com o exercício da própria sexualidade, costuma-se denominar de "adequação sexual". Quando essa adequação não existe, ou seja, quando está insatisfeito com a prática da sexualidade, denomina-se a isso de "inadequação sexual", que em última análise é o objetivo de todas as correntes de terapia sexual, quer as de fundo orgânico, quer as de fundamentação psicológica.

Em resumo, poderíamos dizer que o "normal" em sexualidade se resume ao satisfazer-se e satisfazer sexualmente seu parceiro ou sua parceira, desde que isso não traga riscos ou danos a si mesmo, ao (ou à) parceiro e ao meio social. Dentro desse princípio, o que cada pessoa ou cada par faz no âmbito restrito de suas vidas privadas só a eles próprios interessa, cabendo a nós, como indivíduos e como membros da sociedade, respeitar as naturais e enriquecedoras diferenças que fazem do ser humano algo de tão maravilhoso.

Um breve histórico do estudo da sexualidade humana
A short observation about the study of human sexuality

Nélson Vitiello
Ginecologista. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP).



Educação Sexual - Fichas de Trabalho



  • A cor dos sentimentos
  • Manual de Educação para a Sexualidade e os Afetos
  • O livro da família aos quadradinhos
  • Fichas de atividades sobre reprodução e órgãos sexuais
  • Ficha de trabalho – Todos diferentes Todos iguais
  • Ficha de trabalho – Gosto de ti
  • Era uma vez uma Maria – Guia de discussão
  • Educação Sexual
  • Educação para a SIDA na ESCOLA
  • Diferença racial
  • De onde vêm os bebés
  • Crianças vitimas de violência doméstica – Manual para educadores
  • Corpo das Palavras – Edição APF (auxiliar para apoio à ES no 1.ºciclo)
  • Caderno Presse – 1.ºciclo (atividades de educação sexual)
  • Caderno Presse – 2.ºciclo (atividades de educação sexual)
  • Apoio psicossocial à criança-HIV
  • Amor é
  • Abuso Sexual
  • A Educacao Sexual em Meio Escolar – O Papel dos Professores
  • A Descoberta do Ser… A crescer!
  • O Multiculturalismo
  • Sistema Reprodutor Feminino
  • Sexualidade nas NEE
  • Prevenção e acompanhamento da gravidez na adolescência
  • Pontos nos Is – A Educação Sexual lá em casa
  • A Reprodução
  • Educação Sexual Na Escola – Guia para professores, formadores e educadores
  • Educação Sexual - Videos


    Classificação das variações intersexo

    Não existe somente uma maneira de ser intersexo. Algumas pessoas intersexo nascem com genitais atípicos, outras nascem com genitais completamente típicos, umas possuem cromossomas XX e possuem naturalmente um pénis e escroto, outras possuem cromossomas XY e possuem naturalmente uma vulva e vagina, entre outras maneiras de ser intersexo. Algumas variações intersexo são visíveis ao nascimento, enquanto outras, não são aparentes até à puberdade. Outras podem inclusive não ser fisicamente aparentes.


    Existem diversas variações intersexo, dentre elas:

    Disgenesia gonadal parcial (1 em cada 15.000)

    Disgenesia gonadal total (1 em cada 150.000)

    Eunucoidismo/Hipogonadismo moderado ou severo (20% das pessoas idosas de sexo masculino atribuído)

    Hiperplasia adrenal congênita (1 em cada 5.000 a 14.000)

    Hipospadia (1 em cada 300 nascimentos)

    Mosaicismo envolvendo os cromossomos sexuais

    Pseudo-hermafroditismo masculino (1 em 20.000)

    Síndrome da insensibilidade androgênica parcial (1 em cada 130.000)

    Síndrome da insensibilidade androgênica total (1 em cada 13.000)

    Síndrome de Klinefelter (1 a cada 850)

    Síndrome de La Chapelle (1 em 20.000)

    Intersexo


    Intersexo, descreve pessoas que naturalmente desenvolvem características sexuais que não se encaixam nas noções típicas de sexo feminino ou sexo masculino, não se desenvolvem completamente como nenhuma delas ou desenvolvem naturalmente uma combinação de ambas.

    Segundo as Organização das Nações Unidas, entre 0,05% e 1,7% da população mundial é intersexo, a maior estimativa é semelhante ao número de pessoas naturalmente ruivas.

    Estimativas variam, tendo dados que afirmam que 1 em cada 200 pessoas são intersexo, outras 1 em 1,500 ou 2,000 nascimentos, existindo ainda números tão altos como 4% da população.

    Tal como as pessoas não-intersexo, a identidade de género, expressão de género e orientação sexual que uma pessoa intersexo possui varia mediante a pessoa.

    Intersexo, em seres humanos, difere do termo hermafrodita, já bastante estigmatizado, por intersexo denotar várias maneiras que o sexo biológico de alguém pode naturalmente não se encaixar nas noções típicas de sexo feminino ou masculino, e não necessariamente uma questão de conseguir produzir dois tipos de gametas, como hermafrodita se refere. Algumas pessoas intersexo, como qualquer outra, poderão ser transgénero. No entanto os dois conceitos são diferentes.

    Demissexualidade

    Demissexual é uma alguém cuja atração sexual para outro tende a manifestar-se ativamente somente quando existe envolvimento ou laço emocional, afetivo ou intelectual para essa outra pessoa Essa categorização sexual é também vulgarmente denominada uma "assexualidade cinza", ou seja, atração que se situa em transição (área cinza) entre alossexualidade comum (atração sexual aleatória a pessoas de um ou outro gênero, simplificadamente não condicionada, como se presume ocorrer com a maioria das pessoas púberes) e assexualidade propriamente dita (ausência total de desejo/atração sexual.

    O termo surgiu pela primeira vez em 2008 no site da Rede de Visibilidade e Educação Assexuais (do inglês "Asexuality Visibility and Education Network", ou AVEN), e vem sendo usado desde então por mais pessoas que se identificam com esse conceito.

    Uma autoproclamada demissexual explicou no Reddit como ela sempre pensou que era uma “aberração” na adolescência até 'descobrir' demissexualidade: “Eu sempre recuava e rapidamente me afastava da socialização por medo de ser pressionada a algo romântico ou sexual com outras pessoas. Mas assim que cheguei em casa e no meu próprio quarto, me vi desejando ter um relacionamento com alguém e me entregando aos meus sentimentos sexuais (o que é bastante normal para uma pessoa hormonal de 13 a 14 anos), mas a ansiedade severa sempre que alguém manifestava interesse romântico em mim, eu me impedia de namorar alguém ou até de flertar quando acontecia.” Ela disse que antes de aprender sobre demissexualidade, sentia "luta, dor, isolamento e confusão".

    Sapiossexualidade

    Sapiossexualidade é o fato de sentir atração, seja sexual ou romântica, por pessoas inteligentes, educadas ou carismáticas. A definição muitas vezes inclui atração, seja ela física ou imaterial, pelo intelecto ou através de uma conexão mental para com os indivíduos ou as pessoas. O sufixo implica numa atração sexual, logo não requer necessariamente uma atração intelectual, psíquica, psicológica ou mental.

    Metrossexualidade

    A Metrossexualidade ou metrossexual: é um termo originado nos finais dos anos 1990, pela junção das palavras metropolitano e sexual, sendo uma gíria para um homem urbano excessivamente preocupado com a aparência, gastando grande parte do seu tempo e dinheiro em cosméticos, acessórios, roupas e tem suas condutas pautadas pela moda e as "tendências" de cada estação.

    Intersexo - Modificação das características sexuais

    O tipo de procedimentos vai depender da variação intersexo, existm dois modelos possíveis:

    Modelo centrado no sigilo e cirurgia: Fazer a cirurgia e medicar nos primeiros 24 meses de vida;

    Modelo centrado na pessoa intersexo: Esperar a pessoa intersexo crescer, explicar a complexidade das questões envolvidas e permitir que tome a decisão sobre como agir quanto às suas características sexuais (seja, se deseja alterações, o momento que as faz, ou quais faz).

    Em caso de clitoromegalia e micropénis, esperar antes de fazer a cirurgia é importante para não correr o risco de prejudicar a funcionalidade do órgão sexual. Outro motivo para esperar antes de fazer a cirurgia é evitar a insatisfação da pessoa intersexo na alteração. É importante que a família e a pessoa intersexo possua acompanhamento psicoterapêutico para lidar com a ansiedade e frustração que pode vir acompanhada a toda a complexidade envolvida em ser intersexo.

    Assim o tratamento moderno envolve psicoterapia para a pessoa intersexo e a sua família, cirurgia de redesignação sexual, cirurgia plástica para caso queira modificar as suas características sexuais ou terapia hormonal, caso desejada. Sendo mais fácil a construção de uma vulva e vagina, ela tem sido preferida pelo modelo médico tradicional. Mesmo na abordagem centrada na pessoa intersexo, recomenda-se que a cirurgia seja feita caso haja sério prejuízo funcional e desconforto genital.

    Ser intersexo é frequentemente tratado como algo de carácter patológico, que deve ser corrigido com terapia hormonal ou cirurgias para normalizar as características sexuais das pessoas intersexo. Se uma variação intersexo é descoberta no nascimento ou durante a infância, os procedimentos médicos podem ser realizados sem que a criança ou pessoas responsáveis pela criança deem consentimento ou até mesmo estejam cientes, e muitas pessoas intersexo não são informadas sobre a sua variação intersexo, mesmo quando adultas.

    Integridade física - Intersexo

    Tem-se tornado prática comum sujeitar as crianças intersexo a intervenções cirúrgicas medicamente desnecessárias e a outros procedimentos que têm como propósito tentar fazer com que a sua aparência esteja de acordo com a noção típica de sexo masculino ou feminino. Tais procedimentos, frequentemente irreversíveis, podem causar permanentemente infertilidade, dor, incontinência, perda de sensação no acto sexual, sofrimento mental para o resto da vida, incluindo depressão.

    Estes procedimentos, são regularmente praticados sem o pleno consentimento, livre e informado, da pessoa em questão. Muitas vezes, esta é demasiado nova para poder tomar uma decisão e estes procedimentos podem violar os seus direitos à integridade física, a viver livre de tortura e outros atos degradantes ou desumanos.[

    Estas intervenções têm frequentemente como base normas culturais e de género e crenças discriminatórias relativas a pessoas intersexo e a sua integração na sociedade. Atitudes discriminatórias não podem nunca justificar violações de direitos humanos, incluindo tratamento forçado e violações ao direito à integridade física.

    Tais procedimentos são algumas vezes justificados por argumentos com base em benefícios de saúde, mas estes são frequentemente propostos com base em provas fracas e sem a discussão de soluções alternativas que protejam a integridade física e respeitem a autonomia da pessoa.

    Tais crenças e pressões sociais são frequentemente refletidas pela comunidade médica, e também por familiares responsáveis das crianças intersexo, que encorajam ou dão o seu consentimento para que tais procedimentos sejam feitos. Independentemente da falta de indicação médica, necessidade ou urgência, e também apesar do facto de que tais procedimentos possam violar direitos humanos. Muitas vezes o consentimento é dado na ausência de informação sobre as consequências a curto e longo prazo sobre tal cirurgia e também com a falta de contacto com outras pessoas adultas intersexo e as suas famílias.

    Muitas pessoas adultas intersexo que foram expostas a cirurgias enquanto crianças realçam a vergonha e estigma associados à tentativa de apagar os seus traços intersexo, tal como o sofrimento físico e mental, incluindo como resultado as cicatrizes extensivas e dolorosas. Muitas também sentem que foram forçadas a assumirem um sexo e género que não lhes é adequado.

    Dado a natureza irreversível e o impacto na autonomia e integridade física da pessoa, tais procedimentos cirúrgicos, desnecessários, tais procedimentos procuram ser proibidos.

    História - Intersexo

    Quer fossem ou não socialmente tolerado ou aceite por qualquer cultura em particular, a existência de pessoas intersexo era conhecida de muitas culturas antigas e pré-modernas. O historiador grego Diodorus Siculus escreveu sobre o mitológico Hermafrodito no primeiro século a.C., que "nasceu com um corpo físico que é uma combinação do de um homem e o de uma mulher", e possuía alegadamente propriedades sobrenaturais.

    Nas sociedades europeias, o direito romano, o direito canónico pós-clássico e, mais tarde, o direito comum, referia-se ao sexo de uma pessoa como masculino, feminino ou hermafrodita, com direitos legais como masculino ou feminino, dependendo das características que "pareciam mais dominantes". O Decretum Gratiani do século XII afirma que "Se um hermafrodita pode testemunhar um testamento, depende do sexo que prevalece". O fundamento da lei comum, os Institutos dos Lawes of England do século XVII, descreveram como uma pessoa "hermafrodita" poderia herdar "ou como macho ou fêmea, de acordo com aquele tipo de sexo que prevalece" Os casos legais têm sido descritos no direito canônico e em outros lugares ao longo dos séculos.

    Algumas sociedades não europeias têm sistemas de sexo ou género que reconhecem mais do que as duas categorias de homem ou mulher e sexo masculino ou feminino. Algumas dessas culturas, por exemplo as comunidades Hijra do Sul da Ásia, podem incluir pessoas intersexo em uma terceira categoria de género. Embora, segundo Morgan Holmes, os antropólogos ocidentais classificaram essas culturas como "primitivas", Holmes argumentou que as análises dessas culturas têm sido simplistas ou romantizadas e não levam em conta a forma como os sujeitos de todas as categorias são tratados.

    Durante a era vitoriana, autores médicos introduziram os termos "hermafrodita verdadeiro" para um indivíduo com tecido ovariano e testicular, "pseudo-hermafrodita masculino" para uma pessoa com testículos, vulva e vagina ou genitais externos atípicos, e "pseudo-hermafrodita feminina" para uma pessoa com ovários, pénis e escroto ou genitais externos atípicos. Algumas mudanças posteriores na terminologia têm refletido avanços na genética, enquanto outras mudanças são sugeridas devido a associações pejorativas.

    O termo intersexualidade foi cunhado por Richard Goldschmidt em 1917. A primeira sugestão para substituir o termo 'hermafrodita' por 'intersexo' foi feita por Cawadias na década de 1940.

    Desde o surgimento da ciência médica moderna, algumas pessoas intersexo com genitais externos atípicos tiveram estes modificados cirurgicamente para se parecerem com os genitais típicos. Cirurgiões identificariam bebés intersexo como uma "emergência social" quando a variação é percebida ao nascer. Uma "política de género ideal", desenvolvida inicialmente por John Money, afirmou que a intervenção precoce ajudou a evitar a confusão de identidade de género, mas tal carece de evidências, e as intervenções precoces têm consequências adversas para a saúde psicológica e física.

    O diálogo entre os que antes eram grupos antagónicos de activistas e clínicos levou a apenas ligeiras mudanças nas políticas médicas e na forma como pacientes intersexo e as suas famílias são tratadas em alguns locais. Em 2011, Christiane Völling tornou-se a primeira pessoa intersexo conhecida por processar alguém com sucesso por danos num caso trazido por intervenções cirúrgicas não consensuais. Em Abril de 2015, Malta tornou-se o primeiro país a proibir intervenções médicas não consensuais para modificar as características sexuais, incluindo a de pessoas intersexo. Muitas organizações da sociedade civil e instituições de direitos humanos apelam agora ao fim de intervenções desnecessárias não consentidas em indivíduos intersexo de modo a entrar dentro dos padrões de características sexuais, incluindo na declaração de Malta.

    Linguagem - Intersexo

    Pesquisas no final do século 20 levaram a um consenso médico crescente de que diversos corpos intersexo são formas normais, mas relativamente mais raras, de biologia humana. O clínico e pesquisador Milton Diamond destaca a importância do cuidado na seleção da linguagem relacionada às pessoas intersexo:

    Acima de tudo, defendemos o uso dos termos "típico", "usual" ou "mais frequente", onde é mais comum usar o termo "normal". Quando possível, evite expressões como mal desenvolvido ou subdesenvolvido, erros de desenvolvimento, genitais defeituosos, anormais ou erros da natureza. Enfatize que todas essas condições são biologicamente compreensíveis, embora sejam estatisticamente incomuns.

    Algumas pessoas com traços de intersexo se identificam como intersexo, e outras não. Uma pesquisa sociológica australiana publicada em 2016, descobriu que 60% dos entrevistados usaram o termo "intersexo" para se auto-descreverem suas características sexuais, incluindo pessoas que se identificam como intersexo, descrevendo-se como tendo uma "variação intersexo" ou, em números menores, tendo uma "condição intersexo". A maioria de 75% dos entrevistados também se autodescreveu como do "sexo masculino" ou "sexo feminino". As pessoas entrevistadas também costumavam usar rótulos diagnósticos e se referir a seus cromossomas sexuais, com escolhas de palavras dependendo do público. Uma pesquisa do Lurie Children's Hospital, Chicago, e do AIS-DSD Support Group publicada em 2017 descobriu que 80% dos entrevistados do Grupo de Apoio "gostaram fortemente, gostaram ou se sentiram neutros sobre intersexo" como um termo, enquanto os cuidadores deram menos apoio. O hospital relatou que o termo "distúrbios do desenvolvimento sexual" pode afetar negativamente o atendimento.

    Algumas organizações intersexo fazem referência a "pessoas intersexo" e "variações ou características intersexo" enquanto outros usam uma linguagem mais medicalizada, como "pessoas com condições intersexo", ou pessoas "com condições intersexo ou DSDs (diferenças de desenvolvimento sexual)" e "crianças nascidas com variações da anatomia sexual". Em maio de 2016, o Interact Advocates for Intersex Youth publicou uma declaração reconhecendo "aumento da compreensão e aceitação geral do termo 'intersexo'".

    No entanto, um estudo da American Urological Association descobriu que 53% dos participantes não gostavam do termo "intersexo".

    Outro estudo em 2020 descobriu que cerca de 43% dos 179 participantes pensaram que o termo "intersexo" era mau, enquanto 20% se sentiram neutros sobre o termo.

    Até meados do século 20, "hermafrodita" era usado como sinónimo de "intersexo". As distinções "pseudo-hermafrodita masculino", "pseudo-hermafrodita feminina" e, especialmente, "hermafrodita verdadeiro" são termos não mais usados, que refletem a histologia (aparência microscópica) dos gônadas. A terminologia médica mudou não apenas devido a preocupações com a linguagem, mas também por uma mudança para entendimentos baseados na genética.

    Atualmente na biologia, um hermafrodita é definido como um organismo que tem a capacidade de produzir micro e macro gametas.

    A Intersex Society of North America declarou que hermafrodita não deve ser confundido com pessoas intersexo, e que usar hermafrodita para se referir a indivíduos intersexo é considerado estigmatizante e enganoso.

    "Distúrbios do desenvolvimento sexual" (DSD) é um termo contestado, definida para incluir condições congênitas nas quais o desenvolvimento do sexo cromossómico, gonadal ou anatómico é atípico. Membros da Lawson Wilkins Pediatric Endocrine Society e da European Society for Pediatric Endocrinology adotaram este termo em sua "Declaração de consenso sobre o manejo de distúrbios intersexo". Embora tenha adotado o termo para abrir "muitas mais portas", a já extinta Intersex Society of North America observou que as variações intersexo não são um distúrbio. Outras pessoas intersexo, ativistas, apoiadores e académicos contestaram a adoção da terminologia e seu status implícito como um "distúrbio", vendo isso como ofensivo para indivíduos intersexo que não sentem que há algo errado com eles, reforçando da normatividade das intervenções cirúrgicas precoces e criticar os protocolos de tratamento associados à nova taxonomia.

    Uma pesquisa sociológica na Austrália, publicada em 2016, descobriu que 3% dos entrevistados usaram o termo "distúrbios do desenvolvimento sexual" ou "DDS" para definir suas características sexuais, enquanto 21% usam o termo ao acessar serviços médicos. Em contraste, 60% usaram o termo "intersexo" de alguma forma para auto-descrever as suas características sexuais. Uma pesquisa nos Estados Unidos do Lurie Children's Hospital, Chicago, e do AIS-DSD Support Group publicada em 2017, descobriu que a terminologia de "distúrbios do desenvolvimento sexual" pode afetar negativamente o atendimento, ofender e resultar em menor frequência em clínicas médicas.

    Alternativas para categorizar as variações intersexo como "distúrbios" têm sido sugeridas, incluindo "variações do desenvolvimento sexual".A Organisation Intersex International (OII) questiona uma abordagem de doença ou deficiência, defende o adiamento de intervenções, a menos que seja clinicamente necessário, quando o consentimento totalmente informado do indivíduo envolvido é possível. A UK Intersex Association também é altamente crítica em relação ao rótulo 'distúrbios' e aponta para o fato de que houve um envolvimento mínimo de representantes intersexo no debate que levou à mudança na terminologia. Em maio de 2016, o Interact Advocates for Intersex Youth também publicou uma declaração opondo-se à linguagem patologizante para descrever pessoas com traços intersexo, reconhecendo "o aumento da compreensão e aceitação geral do termo 'intersexo'".

    As variações intersexo diferem da identidade transgénero e a disforia de género. No entanto, algumas pessoas são intersexo e transgénero. Um artigo de revisão clínica de 2012 descobriu que entre 8,5% e 20% das pessoas com variações intersexo experimentaram disforia de género. Em uma análise do uso do diagnóstico genético pré-implantação para eliminar traços intersexo, Behrmann e Ravitsky afirmam: "A escolha parental contra as variações intersexo pode ... ocultar preconceitos contra a atração pelo mesmo sexo e não conformidade de género."

    A relação das pessoas e comunidades intersexo com as comunidades LGBT é complexa, mas pessoas intersexo são frequentemente adicionadas à sigla LGBT, resultando na sigla LGBTI. Emi Koyama descreve como a inclusão do intersexo em LGBTI pode falhar em abordar questões de direitos humanos específicas das pessoas intersexo, incluindo a criação de falsas impressões "de que os direitos das pessoas intersexo são protegidos" por leis que protegem as pessoas LGBT, e não reconhecer que muitas pessoas intersexo não são LGBT. A Organização Intersex Internacional da Austrália declara que alguns indivíduos intersexo são homossexuais e alguns são heterossexuais, mas "o ativismo LGBTI tem lutado pelos direitos das pessoas que estão fora das normas binárias esperadas de sexo e género." Julius Kaggwa, do SIPD Uganda, escreveu que, embora a comunidade gay "nos ofereça um lugar de relativa segurança, também ignora nossas necessidades específicas". Mauro Cabral escreveu que as pessoas e organizações transgénero "precisam parar de abordar as questões intersexo como se fossem trans", incluindo o uso de variações e pessoas intersexo como meio de explicar ser transgénero; “podemos colaborar muito com o movimento intersexo, deixando claro o quanto essa abordagem é errada”.

    Heterogeneidade - Intersexo

    Heterogeneidade significa diversidade genética e na aparência (fenótipo). No intersexo significa que algumas características sexuais da pessoa são femininas e outras são masculinas. Essas características sexuais podem ser relativas ao:

    Cariótipo: a pessoa intersexo pode ter genes XX ou XY (com, ou sem gene SRY), XXY, XXXY, XXYY ou outra combinação.

    Gônadas: a pessoa intersexo pode ter ovários, testículos ou ovotestis (gônada com características ovarianas e testiculares);

    Morfologia genital externa: vagina, clítoris, pênis, testículos, etc;

    Características sexuais secundárias: aparência dos pelos, desenvolvimento mamário, altura, musculatura, barba, etc;

    Por exemplo: Uma pessoa XY pode naturalmente desenvolver vagina, vulva, mamas, e testículos no lugar típico dos ovários. Uma pessoa com criptorquia bilateral tem pênis, mas seus testículos não produzem testosterona suficiente para desenvolver barba e voz grave.

    Os principais métodos contraceptivos.

    Pílula - Contraceção hormonal oral



    O que é?

    A pílula é um método contracetivo muito eficaz. Se tomada corretamente, a pílula apresenta um elevado grau de eficácia (99%). Cada comprimido contém hormonas sintéticas semelhantes às que são produzidas pelos ovários das mulheres:


    O estrogénio; e A progesterona.

    Como atua?

    As hormonas libertadas fazem com que os ovários fiquem em repouso e, por isso, inibem as ovulações. Assim, a mulher que toma a pílula não tem período fértil, pelo que não engravida.


    Que tipos de pílula existem?

    As pílulas diferenciam-se umas das outras pela dosagem e pelo tipo de hormonas que as constituem, com a finalidade de se adaptarem melhor a cada mulher, tendo em conta a sua idade e a sua história clínica.

    Existem pílulas orais combinadas que são compostas por estrogénios e progestagénios, nas quais estão incluídas:


    A pílula monofásica (todos os comprimidos têm a mesma dosagem);

    A pílula bifásica (comprimidos com duas dosagens diferentes);

    A pílula trifásica (comprimidos com três dosagens que visam imitar o ciclo menstrual).

    Existe ainda a pílula contracetiva composta apenas por progestagénios, indicada para mulheres que não podem ou não devem tomar estrogénios (nomeadamente, quando estão a amamentar).


    Início da toma da pílula

    É importante, antes de mais, aconselhar-se com um profissional de saúde, para perceber se o método escolhido é adequado para si. Em caso afirmativo, deverá ser o profissional de saúde a recomendar o tipo de pílula que pode tomar.


    A pílula deve ser tomada sempre à mesma hora, sem mastigar. 

    Para criar uma rotina na sua toma, a mulher pode escolher associá-la a algo que faça diariamente mais ou menos à mesma hora.

    No 1º mês de toma, a eficácia da pílula é garantida se for iniciada no primeiro ou segundo dia da menstruação.

    Se, por alguma razão, decidir começar a tomar a pílula noutra altura do mês, pode fazê-lo, após excluir a hipótese de uma gravidez. Neste caso, a proteção contracetiva não é imediata, sendo necessários 7 dias consecutivos de toma para que a pílula atue com eficácia. Se tiver relações sexuais nessa altura, deve utilizar um outro método contracetivo, como, por exemplo o preservativo.


    Pílula e outros medicamentos

    É importante comunicar ao profissional de saúde que está a tomar a pílula, a fim de verificar a interação medicamentosa. Também pode ligar para a Sexualidade em Linha (800 222 003) ou perguntar numa farmácia se existe ou não interação e quais as precauções/cuidados adicionais que deve ter.


    Pílula e esquecimentos

    Se existe o esquecimento de um único comprimido e se o atraso for inferior a 24 horas, deve tomar o comprimido assim que der conta do esquecimento e continuar a tomar a pílula normalmente, tomando o comprimido seguinte à hora habitual. O esquecimento ou falha de um comprimido não compromete a eficácia da pílula, independentemente da semana em que ocorre.


    Se existe o esquecimento/falha de dois ou mais comprimidos, a eficácia da pílula fica comprometida, e os procedimentos deve ser os seguintes (dependendo da semana em que ocorram):


    Se os esquecimentos ocorrem na primeira semana (do 1º ao 7º comprimido), a eficácia da pílula fica comprometida. Deve tomar os comprimidos esquecidos e ter em atenção se existiram relações sexuais nos 3 dias anteriores pois, se foi o caso, deve ponderar recorrer à contracepção de emergência e continuar a tomar a pílula normalmente. Para além disso, deve utilizar proteção adicional (preservativo) nos 7 dias seguintes.

    Se os esquecimentos foram na segunda semana (do 8º ao 14º comprimido), prosseguir a toma da embalagem e usar proteção adicional (preservativo) nos 7 dias seguintes.

    Se os esquecimentos acontecerem na 3ª semana (do 15º ao 21º comprimido) deve terminar a embalagem e iniciar outra sem fazer pausa, assim como usar contraceção adicional (preservativo) nos 7 dias seguintes.

    Neste âmbito, se houver dúvidas, deverá contactar um/a profissional de saúde ou ligar para a Sexualidade em Linha (800 222 003).


    Pílula e vómitos

    Se acontecerem menos de 4 horas relativamente à hora da toma:


    Tomar outro comprimido e continuar a toma da embalagem da mesma forma e à hora habitual. Assim, manter-se-á a proteção contracetiva. Caso não tome outro comprimido devido a mal-estar intenso, esta situação é semelhante a um comprimido esquecido. 

    Se passaram mais de 4 horas relativamente à hora da toma:


    Houve tempo suficiente para o comprimido ser absorvido, por isso a eficácia contracetiva está assegurada e continua protegida relativamente a uma gravidez. Deve continuar a tomar a pílula como habitualmente.

    Pílula e diarreias

    Só interferem na absorção da pílula se acontecerem mais do que 4 horas relativamente à hora da toma, forem inequivocamente diarreias líquidas e persistentes (5 ou mais episódios num mesmo dia):


    Se possível, tomar outro comprimido e continuar a toma da embalagem da mesma forma e à hora habitual. Assim, manter-se-á a proteção contracetiva. Caso não tome outro comprimido devido a mal-estar intenso, esta situação é semelhante a um comprimido esquecido. 

    Quais as vantagens?

    Para além do elevado grau de segurança na prevenção da gravidez, a pílula apresenta as seguintes vantagens:


    Não interfere na relação sexual;

    Pode regularizar os ciclos menstruais;

    Melhora a tensão pré-menstrual e a dismenorreia;

    Não afeta a fertilidade;

    Diminui o risco de Doença Inflamatória Pélvica (DIP);

    Reduz em 50% o risco de cancro do ovário e do endométrio; e

    Diminui a incidência de quistos funcionais do ovário e a doença poliquística.

    E as desvantagens?


    Algumas mulheres têm dificuldade em fazer a toma diária e regular da pílula; e

    Não protege contra as Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST).


    Contraindicações

    A pílula está contraindicada em situações de:


    Gravidez;

    Neoplasia hormono dependente;

    Hemorragia genital anormal sem diagnóstico conclusivo;

    Tumor hepático ou doença hepática crónica;

    Icterícia colestática na gravidez;

    Riscos de AVC, doença arterial cerebral ou coronária; e

    Mulheres como mais de 35 anos e fumadoras.

    São consideradas contraindicações relativas, se a mulher:


    Sofrer de diabetes mellitus;

    Sofrer de hipertensão ou hiperlipidémia;

    Sofrer de depressão grave, epilepsia, cefaleia grave; e

    Tiver varizes acentuadas.

    Efeitos secundários (de ambos):


    Náuseas e vómitos;

    Alteração de peso;

    Mastodínia – alteração da tensão e sensibilidade mamária;

    Alteração do fluxo menstrual; e

    Spotting – perdas de sangue ao longo dos primeiros ciclos de utilização da pílula.

    O que fazer no caso de aparecerem perdas de sangue, fora da semana de pausa?

    Durante os três primeiros meses de utilização da pílula, é frequente aparecerem pequenas hemorragias, fora dos dias de pausa. Estas hemorragias, geralmente de pouca intensidade, são chamadas de “spotting” e, normalmente, desaparecem espontaneamente. Significa apenas que o organismo se está a adaptar. A eficácia da pílula é mantida. Se continuar com “spotting” para além dos 3 meses, é aconselhável recorrer a um profissional de saúde, pois pode ser necessário mudar a marca de pílula. No entanto, não pare a toma da pílula enquanto aguarda a consulta.


    Quais são as contraindicações da toma da pílula e quem não a pode tomar?

    A pílula pode ser tomada por qualquer mulher em idade fértil, mas existem algumas situações em que se aconselha o uso de outros métodos contracetivos. Por isso, antes de iniciar a toma deste contracetivo, é aconselhável consultar um médico.


    A pílula previne alguma doença?

    A utilização da pílula parece ter alguns benefícios para a saúde, nomeadamente, na diminuição da ocorrência de doença inflamatória pélvica, de doença mamária benigna, de anemia e de cancro do endométrio e do ovário.

    Planeamento Familiar (PF)

    O Planeamento Familiar (PF) representa uma componente fundamental na prestação de cuidados em Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR) e refere-se a um conjunto variado de serviços, medicamentos e produtos essenciais que possibilitam às pessoas, individuais e em casal, alcançar e planear o número de filhos desejados e o espaçamento dos nascimentos. A decisão de ter ou não filhos, assim como a escolha do momento para ter filhos, é um direito que assiste a todos os indivíduos e famílias.

    Os serviços de PF incluem a prestação de cuidados de saúde, aconselhamento, informação e educação relacionados com a SSR. 

    Numa perspetiva mais abrangente, o PF deve:

    Promover uma vivência sexual gratificante e segura;

    Preparar uma maternidade e paternidade saudáveis; 

    Prevenir a gravidez indesejada;

    Reduzir os índices de mortalidade e morbilidade materna, perinatal e infantil;

    Reduzir o número de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST).


    Quadro legal

    O Direito ao PF está baseado internacionalmente nos Direitos Humanos, enquadrando-se no:

    Direito à vida;

    Direito ao padrão mais elevado de saúde;

    Direito de decidir o número e espaçamento de filhos que se deseja ter;

    Direito à privacidade;

    Direito à informação;

    Direito à igualdade e não discriminação.


    Estes direitos humanos têm estatuto de lei internacional e encontram expressão nas declarações políticas e planos de ação internacionais, tais como a Declaração de Viena sobre os Direitos Humanos (1993), a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) e a Declaração do Milénio, com os denominados Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (2000).

    De acordo com o preceituado na Lei nº 3/84 de 24 de Março, compete ao Estado, para proteção da família, promover, pelos meios necessários, a divulgação dos métodos de PF e assegurar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes. Ademais, o Estado garante a Educação Sexual, como componente fundamental do Direito à Educação.

    Quanto aos serviços, é assegurado a todos, sem excepção, o livre acesso às consultas e outros meios de PF. Através das consultas, todos os indivíduos têm o direito à informação, a conhecimentos e a meios que lhes permitam tomar decisões livres e responsáveis.

    Os Centros de Saúde devem garantir consultas de PF e dispor de equipas multiprofissionais para o esclarecimento de dúvidas e questões no domínio da SSR. Neste contexto, devem existir serviços com pessoal técnico devidamente habilitado para o aconselhamento, bem como os recursos materiais necessários para o fazer com a qualidade devida. 

    As consultas de PF e uma vasta panóplia de métodos contracetivos proporcionados por entidades públicas são gratuitos.

    Nos termos da Lei nº 120/99, de 11 de Agosto, os jovens podem aceder a qualquer consulta de PF, ainda que o façam em Centro de Saúde ou Serviços Hospitalares que não sejam da área da sua residência.


    Consultas de Planeamento Familiar

    Em todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde com serviço de ginecologia e/ou obstetrícia, devem funcionar consultas de PF, de forma a garantir a prestação de cuidados, nos seguintes casos:

    Mulheres em situação de risco (designadamente, diabetes, cardiopatias e doenças oncológicas);

    Homens e mulheres com indicação para contraceção cirúrgica (laqueação de trompas ou vasectomia);

    Mulheres com complicações resultantes de aborto;

    Puérperas de alto risco; e

    Adolescentes .

    Em todos os Centros de Saúde devem existir equipas multidisciplinares que promovam e garantam:

    O atendimento imediato emsituações que o justifiquem;

    O encaminhamento adequado para consulta a realizar no prazo máximo de 15 dias, ponderado o grau de urgência;

    Consultas de PF para utentes que delas não disponham; e

    Métodos contracetivos para distribuição gratuita aos/às utentes.

    Como escolher o método adequado

    O sucesso na escolha de um método contracetivo depende de decisão voluntária e esclarecida sobre a segurança, a eficácia, os custos, os efeitos secundários e reversibilidade dos métodos disponíveis.


    Há um conjunto de questões que devem ser colocadas quando se pretende escolher um método contracetivo:

    É eficaz? 

    Está adequado ao meu estilo de vida?

    É reversível?

    É acessível?

    Existem riscos para a saúde? 

    Apenas um Médico pode aconselhar o método mais adequado para cada mulher ou casal em particular. Assim, deve consultar o seu Clínico antes de iniciar a utilização de qualquer método contracetivo.

    Discriminação contra indivíduos intersexo


    As pessoas intersexo são frequentemente sujeitas a discriminação e abuso se for conhecido o facto de serem intersexo. Normalmente, as leis anti-discriminação não proíbem a discriminação contra pessoas intersexo, deixando-as vulneráveis a práticas discriminatórias em vários cenários, desde o acesso à saúde, educação, serviços públicos, emprego e desportos.

    Profissionais de saúde muitas vezes carecem da formação e conhecimento necessário para compreender como lidar com as especificidades das pessoas intersexo, prestar cuidados adequados e respeitar a autonomia e os direitos à integridade física e à saúde das pessoas em causa.

    Algumas pessoas intersexo também enfrentam obstáculos e discriminação caso queiram ou necessitem alterar o sexo apresentado no certificado de nascimento, ou nalgum documento oficial.

    Em especial, atletas intersexo muitas vezes enfrentam obstáculos específicos. Existem vários casos de mulheres cisgénero intersexo que foram desqualificadas de competições com base nas suas características intersexo. No entanto, ser intersexo por si só não garante um melhor desempenho. Ainda assim, outras características físicas que de facto afetam o desempenho, como a altura ou o desenvolvimento muscular não são sujeitas a tal escrutínio e restrições.

    Intersexo - Eugenia

    A medicina tradicionalmente considera as variações intersexo como “distúrbios do desenvolvimento sexual” (“DSDs”). Esse enquadramento das variações intersexo promove a ideia de que uma variação intersexo é indesejável.

    Muitas variações intersexo são genéticas e, com o tempo, um número crescente de causas genéticas para traços intersexo está sendo descoberto. As justificativas para a eliminação de variações intersexo por meio de tecnologias de triagem genética frequentemente refletem as justificativas para cirurgias genitais e gonadais pós-natais - isto é, estão baseadas na ideia de que é errado crescer com características sexuais atípicas.

    Em muitos casos os traços intersexo são considerados adequados para eliminação do pool genético e podem ser oferecidos a famílias de indivíduos com um traço intersexo identificado. FIV e outras formas de triagem genética podem eliminar as variações dos cromossomas sexuais. Exemplos incluem:

    A insensibilidade a andrógenos, deficiência de 5α-redutase (5α-RD2) e deficiência de 17ß-hidroxiesteróide desidrogenase 3 (17β-HSD3) podem ser determinadas por meio de testes específicos que podem ser propostos se familiares tiverem um diagnóstico relevante. Essas características parecem ser consideradas adequadas para eliminação, mas não há fatores substantivos de saúde ou qualidade de vida que justifiquem a eliminação, exceto o risco de intervenções médicas forçadas (para as quais lemos risco de estigmátização) para sustentar esses fundamentos.

    As variações dos cromossomas sexuais, como 47XXY (Klinefelter) e 45X0 (Turners) podem ser estabelecidas por fertilização in vitro e outros testes. Essas características às vezes estão associadas a problemas de saúde cognitiva e física, por exemplo, 47XXY está associado a hipogonadismo e uma série de outros problemas, mas há baixas taxas gerais de diagnóstico para essa variação. Baixas taxas de diagnóstico podem estar associadas à expressão variável do traço. As variações dos cromossomas sexuais também estão associadas a taxas mais altas de aborto espontâneo.

    No caso de hiperplasia adrenal congênita, o tratamento pré-natal com dexametasona pode ser oferecido para minimizar a expressão física do traço. Este tratamento é controverso, pois foi diretamente associado a consequências para o comportamento e orientação sexual da criança futura, desenvolvimento cognitivo e fertilidade. Membros da família também podem receber o rastreamento genético. A hiperplasia adrenal congênita pode estar associada à perda de sal, que é potencialmente fatal se não tratada - as cirurgias genitais são incapazes de resolver esse problema.

    Um estudo australiano de 2016 relatou um aumento na porcentagem de indivíduos com variações intersexo que recebem um diagnóstico genético de 13% para 35%.

    Há uma longa história de pesquisas clínicas sobre as origens pré-natais ou genéticas da orientação sexual e identidade de género, muitas delas baseadas diretamente na pesquisa sobre variações das características sexuais ou na problematização da orientação sexual ou identidade de género em pessoas com variações intersexo. Consequentemente, essas questões têm implicações para outras minorias sexuais e de género.

    A discriminação na aplicação de tecnologias de triagem e manipulação genética é uma questão distinta para o acesso às tecnologias reprodutivas, incluindo o aborto. A seleção e eliminação pré-natal com base nas características sexuais estão mais intimamente relacionadas à seleção de sexo com preconceito de género.