O conceito de educação sexual surge em primeira instância associado a questões de saúde pública. No Concílio Vaticano II, na década de 60, debate-se o confronto entre a moral tradicional e os novos problemas dos jovens e, por acréscimo, a sexualidade. O tema da sexualidade encontra-se nesse âmbito associado a outros, tais como o da Família, do Matrimónio e do Amor.
É no âmbito da “Reforma Veiga Simão” que é criada “A Comissão para o Estudo da Educação e Sexualidade” incentivando a discussão pública sobre as questões da educação sexual. Apesar de atacada pelos sectores mais conservadores do regime, acabaram por ser formuladas recomendações sobre a abordagem da sexualidade nos manuais escolares e indicadas as vantagens da educação mista, propondo-se a junção de rapazes e raparigas nos mesmos espaços escolares, ao contrário do que acontecia até então.
Esses passos, dados num contexto de forte oposição conservadora, só tiveram seguimento em 1984, quer em termos legislativos quer ao nível dos instrumentos de política educativa. Com a Revolução de Abril a sociedade muda rapidamente, liberta-se e politiza-se. Estes são anos de mudança nos costumes e atitudes da população portuguesa em questões sexuais. As políticas estatais enquadram o Planeamento Familiar e a Saúde Materno-Infantil.
Em 1976 os serviços de saúde aplicam uma política de desenvolvimento do planeamento familiar numa perspectiva de prevenção da gravidez não desejada e de recurso ao aborto. Paralelamente promovem-se melhores condições de saúde materno–infantil. Estas políticas são então consagradas na Constituição.
Também o Código da Família sofre algumas alterações, visando uma maior igualdade entre os sexos e desencadeiam-se os movimentos sociais de promoção da educação não sexista, liderados pela Comissão da Condição Feminina. As organizações femininas lutam pelo direito à contracepção e pela legalização do aborto. Embora a pílula contraceptiva tivesse chegado ao mercado português no ano de 1962, na realidade o acesso à contracepção era quase exclusivamente reservado a casais adultos ou a algumas franjas de jovens universitários.
Paralelamente ocorrem mudanças nas políticas de saúde, nomeadamente a criação do Sistema Nacional de Saúde. A lógica de prestação de cuidados primários de saúde sofre alterações que carecem de uma regulamentação legal. Este vazio legislativo veio dar origem à Lei 3/84 de 24 de Março – Direito ao planeamento familiar e à educação sexual. Essa lei, a nível da educação sexual:
Define o direito à educação sexual como direito fundamental;
Define o dever do Estado em cooperar com os pais no sentido de garantir a educação sexual dos jovens e os meios para tal;
Obriga a inclusão de conteúdos de educação sexual nos currículos escolares e prevê a formação dos docentes e dos pais para esse fim.
Todavia, enquanto que o direito ao planeamento familiar foi regulamentado pela Portaria nº 52/85, o direito a educação sexual não foi alvo de regulamentação.
A educação sexual terá de esperar mais duas décadas para ser regulamentada. Posteriormente à aprovação desta lei generaliza-se o acesso à contracepção, mas perde-se a vertente formativa da sexualidade. Até ao final dos anos 80, a reprodução humana não havia ainda sido introduzida nos curricula do ensino básico, não sendo clara a sua inserção quer nos programas de Meio Físico e Social, quer nos das Ciências da Natureza.
A partir de 1985 registam-se alguns avanços significativos dentro do sistema educativo, alguns deles preconizados pela reforma educativa da equipa de Roberto Carneiro (1988-91). Em 1986 foi aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo que estabelecia no n.º 2 do art.º 47 a área de Formação Pessoal e Social. Esta nova área incluiu temas como a educação ecológica, educação do consumidor, educação familiar, educação sexual, prevenção de acidentes e educação para a saúde.
No âmbito dessa nova área escolar surgiu por Decreto Lei n.º 286/89 a Disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS) que, devido à pressão de certos grupos, nomeadamente da Igreja Católica, será de frequência alternativa à Disciplina de Educação Moral e Religião Católica e de outras confissões. A DPS será leccionada desde o 1º ano do 1º Ciclo do Ensino Básico até ao 12º ano do Ensino Secundário. A nova disciplina terá como carga horária uma hora semanal, ficando a criação dos conteúdos programáticos para os vários tipos de ensino a cargo do Instituto de Inovação Educacional. Aponta-se, pela primeira vez, para uma educação sexual ligada ao desenvolvimento pessoal e social dos jovens e não limitada apenas aos seus aspectos biológicos.
Sem objectivos próprios, instrumentalizada, visando objectivos como a luta contra a gravidez não desejada, a implementação do planeamento familiar, a prevenção do aborto ou a prevenção do VIH, a educação sexual não adquire ainda um estatuto isento e uma finalidade própria.
Nos finais dos anos 80, no âmbito da reforma educativa, a APF apresentou um documento ao Ministério da Educação intitulado “Sugestões para a Integração da Educação Sexual nos Ensinos Básico e Secundário”. Esta proposta de educação sexual é composta por um conjunto diversificado de temas agrupados para o 1º, 2º e 3º Ciclos.
Paralelamente é também apresentada uma proposta de programa de educação para a saúde, oriunda de uma equipa do Ministério da Educação onde se encontra igualmente apontada a importância da sexualidade e das relações interpessoais.
No entanto, a nível prático, nada mudou. Os conteúdos limitam-se à abordagem da reprodução humana, à contracepção e à prevenção do VIH, enquadrados nos programas de Ciências da Natureza (6º ano) e Biologia (8º ano). Não foram contemplados os objectivos educacionais de informação correcta e desenvolvimento de valores e atitudes positivas em relação à sexualidade.
A disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social não vai além do seu período experimental uma vez que não existem, por parte do governo, procedimentos que generalizem a nova experiência. E, consequentemente, a maior parte das escolas não integra a DPS.
Entre 1995 e 1998, como resposta a um progressivo apagamento dos conteúdos de educação sexual na recentemente criada disciplina de DPS, a APF propõe e vê aprovado um projecto-piloto de introdução da Educação Sexual em cinco escolas. Este projecto mostrou como os professores poderiam conduzir programas de Educação Sexual, desde que devidamente formados e apoiados, mostrando ainda o apoio dos pais e de outras instituições ligada à vida activa das escolas.
A Constituição da República Portuguesa (4ª Revisão Constitucional, publicada na Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro de 1997) aponta no art.º 67 para as incumbências do estado na protecção da família. Destacam-se as intervenções previstas no âmbito da Saúde e Educação Sexual e Reprodutiva, apontando para a cooperação com os pais na educação das crianças e jovens, garantindo valores de liberdade individual e direito ao planeamento da família, informação e acesso a métodos que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes.
Em 1998 o Conselho de Ministros apresenta a Resolução n.º 124/98. Foi aprovado o Relatório Interministerial para a Elaboração de um Plano de Acção em Educação Sexual e Planeamento Familiar, que concretizou algumas medidas com vista ao cumprimento da Lei 3/84. Nesse relatório a educação sexual passou a ser entendida como uma componente essencial da educação e da promoção da saúde, sendo por isso assumida a necessidade de a concretizar, através da aplicação da lei e da articulação das intervenções do Estado em diversos domínios. Os alvos da intervenção são ainda os jovens e os objectivos passam por proporcionar condições para a aquisição de conhecimento em educação sexual, estimulando o desenvolvimento de referências éticas e de atitudes informadas. Visa uma compreensão e vivência da sexualidade com base no respeito por si próprio e pelos outros. Temas como a gravidez planeada, a saúde materna e a prestação de cuidados de saúde são ainda abordados com especial relevância.
Em 1999, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 7/99 foi aprovado o Plano para uma Política Global de Família, incentivando a participação das famílias na vida escolar e promovendo uma maior equidade no acesso aos cuidados de saúde sexual e reprodutiva. Com a Lei n.º 120/99 reforçam-se as garantias no direito à saúde reprodutiva, preconizando que nos estabelecimentos de ensino básico e secundário sejam implementados programas para a promoção da saúde e para a abordagem da sexualidade humana. Essa lei propõe que se forneça uma adequada informação sobre a sexualidade humana, aparelho reprodutivo e fisiologia da reprodução, sobre SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis, contemplando ainda métodos contraceptivos e o planeamento da família, as relações interpessoais, a partilha de responsabilidades e a igualdade entre géneros (artigo 2º Lei n.º 120/99). O quadro legal e normativo legitima a educação sexual como componente da educação, aponta que os seus conteúdos não se restringem ao plano biológico e médico, define algumas vias para a sua inclusão curricular e extracurricular e apela à rentabilização dos recursos disponibilizados para a sua promoção, reforçando a importância de parcerias e da cooperação entre ministérios no cumprimento de responsabilidades e deveres assumidos pelo Estado neste domínio.
Paralelamente a este corpo legislativo no âmbito da educação sexual, surgem decisões de política educativa no seio do Ministério da Educação que pretendem contribuir para a implementação da educação sexual. Referimo-nos à criação do Programa de Promoção e Educação para a Saúde, mais tarde dando origem à Comissão de Coordenação da Promoção e Educação para a Saúde. É ainda desenvolvida a Rede Nacional de Escolas Promotoras de Saúde, em que a educação sexual poderá ser uma área de trabalho. Relativamente às áreas curriculares (Formação Cívica e Área Projecto) a educação sexual é indicada como uma possível temática a ser abordada, sendo ainda incluída nas orientações do Ministério da Educação para a Educação Pré-Escolar e para os ensinos básicos e secundário.
Durante a década de 80 e 90 a educação sexual não é um facto raro nas escolas portuguesas mas ainda não chega a todas as crianças e jovens portugueses. Muitos professores e escolas desconhecem a legislação existente e a ausência de dados científicos nessa área torna a sistematização do conhecimento difícil, assim dificultando a implementação de uma educação sexual generalizada.
No sentido de criar um fio condutor à intervenção e facilitar o trabalho das escolas e dos professores em particular, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde publicam as Linhas Orientadoras em Educação Sexual em 2000. Todavia o modelo proposto para a implementação da educação sexual em meio escolar expresso no Decreto-lei n.º 259/2000 de 17 Outubro de 2000, o modelo transversal embora ideologicamente apropriado é de difícil pragmatização, o que conduz a uma diluição de responsabilidades em educação sexual.
Ainda no ano início da década de 2000 o Ministério da Educação estabelece protocolos de intervenção em educação sexual em meio escolar com diversas associações da sociedade civil com trabalho realizado nesta área (APF, MDV e FPCCS). Estes são anos de avaliação de práticas desenvolvidas ao longo de mais de duas décadas. É inclusive requerido à Comissão de Coordenação da Promoção e Educação para a Saúde um estudo sobre a implementação da educação sexual nas escolas Portuguesas.
Em 2005 o Ministério da Educação determina a criação de um grupo de trabalho incumbido de proceder ao estudo e de propor os parâmetros gerais dos programas de educação sexual em meio escolar, na perspectiva da promoção da saúde escolar e através do Despacho nº 19 737/2005 (2ª série) é criado o Grupo de Trabalho em Educação Sexual. Em 31 de Outubro de 2005, o referido grupo apresenta um Relatório Preliminar, que esteve em discussão pública até 16 de Novembro de 2005. Simultaneamente é solicitado também ao Conselho Nacional de Educação um parecer sobre a matéria: "O modelo de Educação Sexual nas Escolas, em vigor nas escolas desde o ano de 2000”.
Através do Despacho n.º 25 995/2005, de 16 de Dezembro o Ministério da Educação aprova e reafirma os princípios orientadores das conclusões dos relatórios no que se refere ao modelo de educação para a promoção da saúde. A 7 Fevereiro de 2006 é celebrado o Protocolo entre o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde tendo em vista o desenvolvimento de actividades de promoção da educação para a saúde em meio escolar. Este documento traduz as opções tomadas pelo Ministério da Educação no sentido da clarificação das políticas educativas de educação sexual e as opções tomadas pelo Ministério da Saúde no sentido da dinamização da promoção da saúde na escola.
No seguimento destas iniciativas é aberto pela Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular um concurso destinado às escolas para programas e projectos sobre educação para a saúde. Seguem-se dois despachos do Ministério da Educação que pretendem balizar o enquadramento da educação sexual em meio escolar: o Despacho n.º 2506/2007, de 20 de Fevereiro, que define algumas linhas de orientação para o professor coordenador da área temática da saúde e o Despacho n.º 19308/2008, de 21 de Julho, que no nº 9 e nº10, alínea a) determina que ao longo do ensino básico, em área de projecto e em formação cívica, sejam desenvolvidas competências no domínio da educação para a saúde e sexualidade, entre outras.
Finalmente em 2009 o Ministério da Educação Estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar através da Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto regulamentada através da Portaria nº 196-A/2010, de 9 de Abril.
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