Na verdade, falar de educação sexual é algo cada vez mais complexo, pois as novas tecnologias também aqui entram de uma forma absolutamente revolucionária, não apenas na alteração dos padrões de comunicação e relacionamento social, mas também na maneira como se aprende e manifesta a sexualidade.
Começo com um relato verídico, ao qual não foi acrescentada qualquer dose de ficção. Um pequeno grupo de alunos do 2.º ciclo, que está a ser alvo de acompanhamento no Serviço de Psicologia, revelou-me o seu contacto frequente com vídeos de cariz pornográfico, a que muitos colegas da turma teriam também acesso. A propósito desta confidência, afirmei que seria importante eles e a respetiva turma terem sessões de “educação sexual”, para ajudar a reciclar o lixo a que os seus pequenos cérebros estavam a ser expostos. Rindo-se nervosamente e de uma forma um pouco trocista questionaram-me: “Educação sexual??? Para quê? Nós já sabemos tudo.”
Descrevem que, ao ver vídeos pornográficos, ficam muito excitados e masturbam-se (claro que usam outros termos para designarem esta atividade) o que, naturalmente, lhes dá prazer ou, usando as palavras deles, “sabe muito bem”. Face a isto, como vão eles compreender a minha teoria do “lixo mental”? Obtendo eles tanto prazer em resultado desta descoberta, certamente olharão para mim como uma profissional com pouca clareza mental. Lixo? Como pode ela afirmar – pensarão eles –, que aquilo que nos sabe tão bem é “lixo mental”? Tentei desmontar a minha teoria. Procurei que percebessem que pornografia não se adequa à faixa etária deles; que não têm maturidade para compreender as imagens a que estão a ser expostos; que tais imagens não ajudarão a desenvolver relações, nem uma sexualidade saudável e ajustada. Não sei se compreenderam o alcance das minhas palavras, pois tentaram sublinhar que muitos outros colegas da idade deles veem estes vídeos no telemóvel e no computador, porque, para aceder a este tipo de material, basta algo muito simples: ter acesso à Internet.
Na verdade, falar de educação sexual é algo cada vez mais complexo, pois as novas tecnologias também aqui entram de uma forma absolutamente revolucionária, não apenas na alteração dos padrões de comunicação e relacionamento social, mas também na maneira como se aprende e manifesta a sexualidade. Quando algum profissional se aventura a abordar o tema, não pode partir apenas do que seria suposto os jovens saberem naquela etapa de desenvolvimento, pois muitos deles já tiveram acesso a informações, sensações e perceções do próprio corpo muito para além do que a sua faixa etária levaria a supor. Confesso que estes relatos me preocupam imenso, pois se, para algumas crianças/pré-adolescentes, o contacto com este lixo será pontual e até visto com algum desinteresse e repugnância, para outros, estas imagens, associadas a contextos familiares onde não existe respeito pela intimidade e privacidade, serão certamente ainda mais negativas, em termos de desenvolvimento não apenas sexual, mas global.
O acesso fácil à pornografia é apenas uma dimensão desta vasta temática, mas há outras, entre as quais, o sexting (um termo derivado do inglês: sexual messaging ). Este termo significa a partilha de mensagens de cariz sexual com conotação inapropriada ou fotos de corpos nus ou de relações sexuais, geralmente através do telemóvel. Recordo-me de, há já alguns anos, ter recebido um telefonema da mãe de uma aluna adolescente, que denunciava a circulação por e-mail de imagens de uma colega da turma da filha, completamente nua, e me pedia para resolver a situação, pois, sendo eu psicóloga, saberia melhor o que fazer. Não é raro material com conteúdo íntimo ser usado como arma de chantagem, em que quem vê pede sempre mais a quem se expõe, ameaçando a denúncia quando há resistência. Lamentavelmente tenho assistido e tenho procurado intervir em situações deste âmbito, observando a dor emocional de quem, com alguma dose de inocência, expõe partes íntimas e vê a sua intimidade ser apropriada e devassada por colegas que se aproveitam da exposição indevida.
Num período como a infância e a adolescência, marcado pelo rápido crescimento, maturação cerebral e desenvolvimento de capacidades cognitivas e percetivas, é preocupante pensar que haverá certamente alterações e processos a serem acelerados pelo uso cada vez mais precoce das tecnologias da comunicação, tal como aqui procurei ilustrar.
Muitas são as sugestões e recomendações de prevenção que poderemos enumerar, como a necessidade de pais e escolas instalarem filtros de segurança atualizados e estarem dotados de informações sobre como usar a Internet com segurança. Contudo há outro aspeto que me parece essencial: a sexualidade tem de deixar de ser tabu e o tema tem de ser abordado sem pruridos e embaraço. Enquanto pais e professores não trabalharem verdadeiramente em equipa, também neste âmbito, estaremos muito longe de encontrar soluções com maior alcance.
https://www.educare.pt/opiniao/artigo/ver/?id=162266&langid=1
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